CHACRINHA

Noticia de 6 novembro 1968

Tem mais publico do que as telenovelas.Ganha mais do que Pele.
Produz, dirige, inventa e anima os seus programas. E mede tudo pessoas e bichos — pelos pontos do IBOPE.

"Se eu fosse de circo, seria o bilheteiro, o palhaço e o leão." Assim se autodefine Abelardo Barbosa, o Chacrinha. 

Paraibano, 51 anos, ele se defendeu malcriadamente da ironia de intelectuais e artistas que 0 encurralaram durance um "jogo da verdade" no programa "Este Chacrinha Nu e Escandaloso", da TV Globo (SP). 

0 fisico Mario Schenberg chamou-o de "fenomeno muito Interessante" e o produtor de cinema Fernando de Barros perguntou: "Isso que voce faz e autentico ou só oportunismo?" 

Ninguern chamou de°louco e irresponsavel, e para o Maestro Rogerio Duprat e o cantor Juca Chaves ele e um genio. 

A uma pergunta da escritora Helena Silveira ("Por que voce vive fazendo macaquices numa hora de crise como a que vivemos?"), a resposta de Chacrinha veio violenta "Macaca e ela". 0 diretor da TV Globo,

Geraldo Case, produziu o programa e explicou que "na sua ignorancia, o Chacrinha nem desconfia da importancia que tem". Case lembrou o sociologo frances Edgar Morin. perito da UNESCO, que encara o Chacrinha como "um fenomeno de comunicação de massas só comparavel a Kennedy e De Gaulle". 

Chacrinha diz que não brinca com o sucesso

leva a serio o prestigio que ganhou "por sorte", mas que conserva Com muito trabalho. 

Por mais tarde que durma, acorda sempre cedo. E dele o primeiro telefonema diario ao IBOPE. "Como foi a audiencia do meu programa de ontem?" 

As pesquisas estäo ainda nas maquinas IBM, sendo processadas. 

mas o Chacrinha não almoça nem faz nada antes de saber "dos pontos do IBOPE". 

No Rio esta entre os cinco mais, em Sao Paulo entre os vinte mais. 

Se a audiencia subiu ou baixou, Chacrinha discute o porqué com a mulher,os filhos e os amigos. 

So depois da autocritica parte para a organização do programa seguinte (dois em Sã Paulo e dois no Rio, semanalmente). 

Porque e o faz-tudo dos seus shows (produtor, diretor, ensaiador, cenografo, animador). 

ele pode de uma hora para outra, com seus quinze auxiliares, modificar tudo. 

Insistir com mais samba no lugar do ie-ie-ie. ou vice-versa. 

Inventar concursos — a menor pulga, o galo que canta primeiro, a mini-saia mais curta — ou escolher novas frases absurdas. ("Em Sao Paulo o povo gosta mais de violencia do que no Rio"). 

Chacrinha seleciona pessoalmente cantores, musicos, bailarinos, calouros e vai escolher os brindes que joga a esmo sobre o auditorio: dezenas de quilos de pimentão, tomate, alcachofra, feijão ou bacalhau. 

Surpreendentemente, ha dias em que ele joga bombons de chocolate. 

Antes de todo programa determina que se coloquem pes de bananeira diante do predio da TV em que se apresenta, nas calçadas onde o publico faz fila desde as primeiras horas da tarde. "Eu faço tudo", ele insiste."Não dou trabalho as emissoras." Depois dos programas, é ele mesmo quem paga os caches. 

No programa "Este Chacrinha Nu e Escandaloso", o diretor de teatro Jose Celso Martinez Corea  ("Rei da Vela", "Roda Viva") perguntou-lhe: "A televisAo é o opio do povo?" Chacrinha passou uma descompostura em Jose Celso ainda o acusou de plagiar seu estilo em espetaculos "tropicalistas" de teatro.

Chacrinha revelou-se inteiramente desinformado sobre fatos e pessoas. 

"Mario Schenberg. quem é ele, o que ele faz?" Mas em materia de preferencia popular conhece tudo: cantores, orquestras.ritmos e discos que fizeram ou fazem sucesso, onde e como.

"Quando levo um cantor ao meu programa, e ale aceita minha orientação, o homen esta feito." Dois exemplos recentes: Paulo Sergio, imitador de Roberto Carlos, e Oswaldo Nunes, babalorixá e sambista, todos dois campeões de vendagem de discos no Rio e em Sao Paulo, depois de promovidos por Chacrinha. 

Nem Pele ganha o salario do Chacrinha (80 000 cruzeiros novos, que ele acha pouco). 

Seus longos programas de TV (duas horas cada) pagam caches baixos (no maximo 300 cruzeiros novas para os grandes cartazes). "Mesmo assim, gastamos mais de 3 000 cruzeiros novos por programa e 50  por cento sai do meu salario. 

E a participação nos lucros da empresa. 0 Chico Buarque pede 4 milhões para cantar no meu programa. 

Ele pago, mas, só se ele me der 20 pontos do IBOPE." 0 IBOPE é para o Chacrinha a medida de tudo. 

ele so pensa em função do IBOPE. "Sem audiencia, nem a TV Rio nem a TV Record estariam me oferecendo 120.000 e 150.000 cruzeiros novos para sair da Globo. E ainda me bateriam com a porta na cara".