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HEROÍNA, o analgésico que mata

A morte vem aos poucos, com a destruição das defesas do organismo. Ou é instantânea, numa overdose. E a cura, quando acontece, é lenta, cara e tão dolorosa que muitos viciados desistem no meio do caminho


para ficar viciado em heroína é fácil: basta uma ou duas semanas. Para livrar- se do vício é um pouco mais difícil: são necessários três anos de tratamento caro e extremamente doloroso.

Não é à toa que apenas três em cada dez viciados conseguem abandonar a droga. Mais que o álcool, a maconha e a cocaína, eis aí a grande ameaça aos jovens deste fim de século.

Derivada do ópio e sintetizada a partir da morfina pela primeira vez em laboratório, cm 1898. chegou a ser considerada uma solução para a cura dos viciados em morfina. Mas depois que se descobriu que ela é no mínimo três vezes mais poderosa que a própria morfina, sua fabricação foi proibida no mundo inteiro.Como as outras drogas derivadas do ópio. a heroína age sobre os sistemas digestivo e nervoso central, onde os efeitos de torpor e tontura vêm associados, nos estágios iniciais.

a um sentimento de leveza e euforia. Agindo como depressora do sistema nervoso central, alivia as sensações de dor e angústia. Segue-se um estado de letargia que pode durar horas. As primeiras doses podem provocar vômitos ou náuseas. Os sintomas desaparecem em pouco tempo mas voltam com violência quando a droga deixa de ser consumida, porque o organismo se acostuma rapidamente a ela.


É o protótipo das drogas que geram dependência Injetada diretamente no sangue, com o uso de seringas, a heroína produz efeitos que duram de duas a quatro horas. Como qualquer outra substância externa, precisa de cúmplices no organismo — elementos químicos que funcionam como receptores  para propagar seu efeito. Estes encontram-se em determinadas regiões do cérebro, nos músculos e nos intestinos. Por ter a propriedade de combinar-se muito facilmente com os receptores, a heroína é considerada o protótipo das drogas geradoras de dependência. Um dos medicamentos usados no tratamento de viciados é a metadona, por sua propriedade de ocupar os mesmos espaços da droga nas moléculas receptoras. Mas seu uso é limitado pois também gera dependência.


As reações adversas são muitas. A heroína impede a produção de endorfinas. analgésicos naturais do organismo. porque a própria droga se encarrega de fornecê-los. As conseqüências não podem ser piores: quando o viciado tenta suprimir a droga, o organismo não volta automaticamente a produzir as endorfinas — logo. nada ameniza a dor da pessoa. O mesmo processo se repete com outras substâncias.

Segundo o psiquiatra Zacaria Borge Ramadam. da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. a heroína é extremamente poderosa porque “imita as funções e exagera os efeitos de uma substância sintetizada em nosso próprio organismo". Os opiáceos, como a morfina e a heroina, agem sobre o sistema parassimpático. que em equilíbrio com o sistema simpático influi decisivamente no comportamento humano. O primeiro, com a adrenalina, regula as funções de ataque e defesa; e o segundo, com a acetilcolina. as funções de fuga. relaxamento, sonolência e descontração. É em especial sobre o sistema parassimpático que age a heroína, substituindo as propriedades da acetilcolina.

Mais poderosa que essa substância, a heroína acaba por ocupar seu espaço no organismo: com o aumento das doses, simplesmente a acetilcolina deixa de ser produzida.
“Por isso o viciado sofre reações tão adversas, quando resolve abandonar a droga", explica Ramadam. Seu organismo não tem como suprir a necessidade criada pela ingestão da heroína. Inibida a produção natural das endorfinas e da acetilcolina. ocorrem os terríveis sintomas da sindrome de abstinência quando a droga é suspensa. Tão difícil é largar o vício que. mesmo sabendo que corre risco de vida. o drogado muitas vezes acaba optando pela heroína.


Antes da nova dose, náusea, bocejos, coriza, tremores Até a próxima dose. depois até outra e outra ainda, se estabelece um circuito que leva o dependente a viver apenas para a droga, onde o que pudesse haver de prazer no início é substituído pela necessidade pura e simples de mais heroína. Para a maior parte dos viciados, os sintomas de abstinência se manifestam assim que se aproxima a hora da próxima dose: incontroláveis bocejos que podem até provocar deslocamento do queixo; o nariz escorre e suores frios brotam por todo o corpo.

Os sintomas aumentam de severidade nas 36 ou 72 horas seguintes. O intestino, antes bloqueado, volta a funcionar - junto com náuseas, vômitos. tremores musculares, dores nas costas, pernas e braços.As vítimas não conseguem encontrar nenhuma posição confortável e experimentam crises de extrema ansiedade e desejo intenso de voltar à droga.

Depois de 72 a 96 horas, os sintomas começam a diminuir. Embora os viciados venham a se queixar de insônia e letargia nas semanas seguintes, a maioria vence a pior fase das reações orgânicas em uma semana. Os sintomas continuarão a reaparecer e algumas sequelas, como alterações na pressão arterial, persistirão anos a fio. As conseqüências psicológicas — depressão e vontade de voltar à droga — também continuam por um considerável período de tempo.


O psiquiatra francês Claude Olivenstein, que há 25 anos cuida de drogados em seu hospital em Paris, adverte para outros obstáculos que o viciado enfrenta, até chegar à recuperação: “Rompida a dependência física, vem o sofrimento moral e a tentação de livrar-se dele voltando à droga. Existe ainda a pressão dos antigos companheiros de vício e traficantes para que ele volte a sc drogar".


Por que uma pessoa se vicia? Olivenstein acredita que “a adesão às drogas resulta da associação de três fatores: o produto, a personalidade e o momento sociocultural". Na Europa. por exemplo, a heroína é ameaça maior que a cocaína, pela longa tradição de consumo daquela droga e também pelo seu baixo custo, em relação à coca. Já nos Estados Unidos, o grande aumento no consumo a partir da década de 60 foi conseqüência da guerra do Vietnã. Explica-se: os grandes centros produtores de ópio — a matéria-prima da heroína — ficam no sudeste asiático, no Laos, Birmânia e Tailândia.  Paquistão e a Turquia também são grandes produtores de ópio.


Extraído há milênios da papoula (Papaver somniferum), o ópio é um alcaloide obtido mediante algumas incisões nas cápsulas da flor. que deixa escorrer um líquido viscoso, como o látex da seringueira. Ao secar, ele se transforma numa massa escura e pegajosa. Aí, ela é depurada em várias etapas, chegando aos viciados como um pó branco.

Os opiáceos já foram usados como remédio para uma legião de problemas de saúde, desde insônia a mordidas de cobra, passando por crises respiratórias, cólicas, epilepsia e dificuldades urinárias. Mas o que produziram mesmo foi uma legião de viciados.


No Brasil, “ainda é desprezível o consumo de heroína", informa o psiquiatro Miguel Roberto Jorge, da Escola Paulista de Medicina e membro do Conselho Federal de Entorpecentes. do Ministério da Justiça. “Os grandes problemas que enfrentamos são o álcool, a maconha e agora a cocaína." Já existem no país alguns centros de tratamento e recuperação de drogados. “Mas são muito poucos ainda", observa Miguel Jorge.Vítima de um sistema onde o único beneficiado é o traficante, o viciado em heroína, como os dependentes de outras drogas consumidas por via venosa, integra um dos grupos de alto risco no processo de contágio a transmissão da AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). Normalmente. os viciados se agrupam em verdadeiras tribos e se entregam ao ritual do consumo sem cuidado algum com a higiene. Seringas contaminadas passam de mão em mão: muitas vezes não são lavadas nem em água corrente, entre uma aplicação e outra.

Além da AIDS. o uso de seringas contaminadas traz doenças como a hepatite, tétano ou inflamações do endocárdio, a película que envolve o coração por dentro. A seringa industrial surgiu em 1853. Seu inventor, o inglês Alexander Wood. usou como cobaia a própria mulher, que morreu em consequência de uma overdose de morfina.O estado de torpor e desinteresse causado pelo vício enfraquece os mecanismos de autodefesa da pessoa. Por isso é fácil o heroinômano exagerar na dose e morrer disso. Também é grande o consumo de drogas misturadas com talco, analgésicos, bicarbonato — ou qualquer outro pó que possa aumentar o lucro do traficante. O resultado c que. ao ter acesso a uma droga mais pura. o viciado corre o risco de morrer de overdose.



Os males de todas essas drogas

Além dos narcóticos, como a heroína. existem outras categorias de entorpecentes. São os depressores, estimulantes e alucinógenos, além dos derivados da cannabis (maconha e haxixe), que não se encaixam a rigor numa única dessas categorias. Em qualquer caso, trata-se sempre de substâncias capazes de criar alta dependência e tolerância. Algumas são usadas em medicamentos, como analgésicos, anticonvulsivos. tranquilizantes ou moderadores de apetite. E de nenhum deles se sai sem problemas.



O álcool — a mais difundida de todas as drogas — é tóxico ao fígado pâncreas. coração e cérebro. Entre os efeitos crônicos, geralmente agravados pela desnutrição, o alcoólatra sofre um acelerado processo de envelhecimento, com a destruição dos neurônios — as células do cérebro. Rico em calorias vazias. que não alimentam, o álcool também leva à obesidade, fonte de outras doenças.
Os estimulantes, entre eles a cocaína. causam euforia, excitação, hiperatividade, insônia, perda de apetite, aceleração do pulso e aumento da pressão arterial. A superdosagem pode trazer aumento da temperatura, alucinações, convulsões e morte.


A síndrome de abstinência é caracterizada por apatia, longos períodos de sono, depressão, desorientação e delírios paranoicos. Junto da cocaína, são estimulantes a anfetamina e a efedrina, essa última usada em crises de asma.

Os depressores do sistema nervoso central (barbitúricos, benzodiazepinas, solventes orgânicos, como aguarrás e cola de sapateiro, clorofórmio e éter) denunciam o viciado pela voz pastosa, desorientação e estado de embriaguez. A superdosagem inibe a respiração, provoca pele fria. pupilas dilatadas, pulso rápido e fraco, com a  possível morte. O clorofórmio e o éter podem em especial causar parada cardíaca. Já a síndrome de abstinência se manifesta em tremores, ansiedade, insônia, delírio e convulsões.

Dos alucinógenos, o mais conhecido é o LSD, que provoca ilusões e alucinações, alterando a percepção do tempo e da distância. Seu consumo pode representar uma viagem sem volta, com irreparáveis danos psíquicos, loucura e morte.

 A maconha e o haxixe, fumados em cigarros, são drogas mais leves, mas nem por isso menos perigosas. Provocam aumento da freqüência cardíaca, congestão dos olhos e alterações na percepção. A maconha. como o álcool, traz euforia e relaxamento das inibições. Consumida regularmente, porém, tende a causar fadiga e alheamento da realidade. A abstinência induz à insônia e hiperatividade.

Por último, mas não menos tóxico. o cigarro: a nicotina, com grande taxa de tolerância e dependência, vitima no mundo inteiro milhares de pessoas todos os dias com câncer do pulmão, enfisemas. problemas cardíacos. Ao contrário das demais drogas, castiga por tabela os não-fumantes. habitualmente obrigados a respirar o ar contaminado pela nicotina alheia.

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